Ext. Praia. Meio dia.
Eles estão vestidos com roupas de praia, a sombra de uma barraca de praia, deitados em cadeiras de praia. Praia, praia, praia, vocês entenderam, eles estão na praia. Ambos estão cochilando, ela acorda primeiro, cutuca ele e diz:
_ Mas que a vida é curta, é.
_ Oi?
_ Oi, tudo bem?
_ Tudo, e você?
_ Bem também.
_ O que você disse?
_ Disse que estou bem também.
_ Não. O que você disse antes de perguntar se estou bem.
_ A vida é breve...
_ [completando] “E o amor mais breve ainda”? Você estava recitando Mário Quintana para mim?
_ Estava, sim, adoro ele. Mas você não estava prestando atenção!
_ Claro que estava.
_ Estava? Então repete o poema todo?
_ Fácil! Se chama Bilhete, vou errar uma palavra ou outra, mas o poema diz mais ou menos assim: Se tu me amas, ama-me baixinho. Não me grites do telhado. Deixa em paz os passarinhos, deixa em paz a mim! Se me queres, tem que ser devagarinho, amada. Porque a vida é breve... E o amor mais breve ainda. Não é bem isso, mas está parecido. Viu como eu estava ouvindo?
_ Estava nada! Seu espertinho, você já conhecia o poema. E acreditei quando você me disse que não mentia....
_ Eu realmente estava ouvindo... Bem, estava antes de dormir. Mil perdões.
_ [com aborrecimento falsamente forjado] Dormir! Você dormiu enquanto eu estava falando?!
_ [hesita, depois abre um sorriso] Se eu disser que estava sonhando com você, ajuda?
_ Você pode tentar, mas acho que não... Depende do que estava sonhando.
_ Eu estava sonhando com você.
_ Sonhando comigo?! Ah, que lindo... Como era o sonho?
_ Era lindo mesmo, sonhei que a gente se encontrava no Dia de Ano e
_ [interrompendo] Dia de Ano?
_ É, no Ano Novo. E começávamos a
_ [interrompendo] Só minha avó fala Dia de Ano. Você mentiu sua idade, ninguém com 31 usa esse vocabulário, aposto que você é muito mais velho do que aparenta ser.
_ É, menti. Na verdade, tenho 83. Mas aos 31 fiz um acordo com deus.
_ Bem que eu suspeitei desde o princípio. Tem certeza de que fez acordo com deus, não foi com o diabo?
_ Sei lá... Qual a diferença?
_ Deus é mais popular, eu acho.
_ Ah, isso sem dúvida, a julgar pela quantidade de religiões que se multiplicam pelo mundo, mais popular. Mas não pode ser só isso. Que mais?
_ Humm... Para muita gente deus é um idoso que fica sentado em um trono enorme lá no céu.
_ Ih, me escafedi! Não foi esse daí, não. Acho que o acordo não foi com deus...
_ Mas na verdade deus é uma criança que brinca entre nós...
_ Então foi com ele mesmo. Ufa! Que alívio, o acordo não custará minha alma.
_ Que bom, você ia sentir muita falta da sua alma. Qual foi o acordo?
_ Combinei com deus que eu faria somente o bem, seria sempre bom de coração e
_ [completando] E em troca não envelheceria.
_ É, basicamente isso.
_ Alguém não está cumprindo o acordo, porque você está acabadinho. Deveria dormir um pouco.
_ Adoraria, mas você vive me acordando. Já me acordou duzentas vezes desde que chegamos a praia. E ninguém está descumprindo o acordo, tenho a mesma aparência há 52 anos, sua mocoronga.
_ “Mocoronga”... Se tem a mesma aparência, eu não sei, mas o mesmo vocabulário, com certeza.
_ ôôÔ Balzaquiana, você tem mais primaveras do que eu.
_ Meu filho, eu tenho é mais verões. E por favor: primaveras? Assim realmente vou achar que você tem 83 anos. Primaveras?! Por favor, né.
_ Sei lá, por favor vamos dormir. Você não se lembra do que combinamos?
_ Lembro. Quando começou a amanhecer, você foi me deixar em casa e resolveu entrar, tomar banho, rasgar minhas roupas, fazer café-da-manhã e ter a brilhante de dormir na praia.
_ Aliás, obrigado por me emprestar as roupas do seu ex-marido.
_ Não são do meu ex-marido.
_ Ex-namorado?
_ Nem isso.
_ O quê então?
_ Agora não é o melhor momento para conversar sobre isso, estamos indo tão bem...
_ Oh, não! Você é comprometida?!!!
(continua...)
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