ano 2011, Parte IV

Ext. Praia. Meio dia.

Eles estão vestidos com roupas de praia, a sombra de uma barraca de praia, deitados em cadeiras de praia. Praia, praia, praia, vocês entenderam, eles estão na praia. Ambos estão cochilando, ela acorda primeiro, cutuca ele e diz:



_ Mas que a vida é curta, é.

_ Oi?

_ Oi, tudo bem?

_ Tudo, e você?

_ Bem também.

_ O que você disse?

_ Disse que estou bem também.

_ Não. O que você disse antes de perguntar se estou bem.

_ A vida é breve...

_ [completando] “E o amor mais breve ainda”? Você estava recitando Mário Quintana para mim?

_ Estava, sim, adoro ele. Mas você não estava prestando atenção!

_ Claro que estava.

_ Estava? Então repete o poema todo?

_ Fácil! Se chama Bilhete, vou errar uma palavra ou outra, mas o poema diz mais ou menos assim: Se tu me amas, ama-me baixinho. Não me grites do telhado. Deixa em paz os passarinhos, deixa em paz a mim! Se me queres, tem que ser devagarinho, amada. Porque a vida é breve... E o amor mais breve ainda. Não é bem isso, mas está parecido. Viu como eu estava ouvindo?

_ Estava nada! Seu espertinho, você já conhecia o poema. E acreditei quando você me disse que não mentia....

_ Eu realmente estava ouvindo... Bem, estava antes de dormir. Mil perdões.

_ [com aborrecimento falsamente forjado] Dormir! Você dormiu enquanto eu estava falando?!

_ [hesita, depois abre um sorriso] Se eu disser que estava sonhando com você, ajuda?

_ Você pode tentar, mas acho que não... Depende do que estava sonhando.

_ Eu estava sonhando com você.

_ Sonhando comigo?! Ah, que lindo... Como era o sonho?

_ Era lindo mesmo, sonhei que a gente se encontrava no Dia de Ano e

_ [interrompendo] Dia de Ano?

_ É, no Ano Novo. E começávamos a

_ [interrompendo] Só minha avó fala Dia de Ano. Você mentiu sua idade, ninguém com 31 usa esse vocabulário, aposto que você é muito mais velho do que aparenta ser.

_ É, menti. Na verdade, tenho 83. Mas aos 31 fiz um acordo com deus.

_ Bem que eu suspeitei desde o princípio. Tem certeza de que fez acordo com deus, não foi com o diabo?

_ Sei lá... Qual a diferença?

_ Deus é mais popular, eu acho.

_ Ah, isso sem dúvida, a julgar pela quantidade de religiões que se multiplicam pelo mundo, mais popular. Mas não pode ser só isso. Que mais?

_ Humm... Para muita gente deus é um idoso que fica sentado em um trono enorme lá no céu.

_ Ih, me escafedi! Não foi esse daí, não. Acho que o acordo não foi com deus...

_ Mas na verdade deus é uma criança que brinca entre nós...

_ Então foi com ele mesmo. Ufa! Que alívio, o acordo não custará minha alma.

_ Que bom, você ia sentir muita falta da sua alma. Qual foi o acordo?

_ Combinei com deus que eu faria somente o bem, seria sempre bom de coração e

_ [completando] E em troca não envelheceria.

_ É, basicamente isso.

_ Alguém não está cumprindo o acordo, porque você está acabadinho. Deveria dormir um pouco.

_ Adoraria, mas você vive me acordando. Já me acordou duzentas vezes desde que chegamos a praia. E ninguém está descumprindo o acordo, tenho a mesma aparência há 52 anos, sua mocoronga.

_ “Mocoronga”... Se tem a mesma aparência, eu não sei, mas o mesmo vocabulário, com certeza.

_ ôôÔ Balzaquiana, você tem mais primaveras do que eu.

_ Meu filho, eu tenho é mais verões. E por favor: primaveras? Assim realmente vou achar que você tem 83 anos. Primaveras?! Por favor, né.

_ Sei lá, por favor vamos dormir. Você não se lembra do que combinamos?

_ Lembro. Quando começou a amanhecer, você foi me deixar em casa e resolveu entrar, tomar banho, rasgar minhas roupas, fazer café-da-manhã e ter a brilhante de dormir na praia.

_ Aliás, obrigado por me emprestar as roupas do seu ex-marido.

_ Não são do meu ex-marido.

_ Ex-namorado?

_ Nem isso.

_ O quê então?

_ Agora não é o melhor momento para conversar sobre isso, estamos indo tão bem...

_ Oh, não! Você é comprometida?!!!

(continua...)

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