Turista

“Eu conheci uma espanhola natural da Catalunha,
queria que eu tocasse castanhola
e pegasse o touro à unha”
Alberto Ribeiro / Braguinha



_ samba comigo?

não sei o samba,
não sou daqui.
você pode me ensinar?

_ claro! porém eu não sei. semana que vem, talvez.

mas vou embora amanhã,
minhas férias acabaram,
estou aqui há quase um mês,
só temos essa noite...

(....)

já são meio dia,
definitivamente, preciso ir.
sinto falta da minha casa
de barcelona,
de ver gaudí.
mas roendoasunhasmente, quero ficar
(nesse meu novo lugar).

já não sei desatar os nós
que construímos nessa última noite,
como desfazer-nos?
e partir...,

você ainda dorme...
sem querer acordar, lhe chamei,
disse tchau, fica com deus.

e vôo,
às 16h, no galeão.

enquanto isso,
meu guapo,
você sonha mais
e mais...
o seu sono fabuloso.

(....)

ainda não sabe que estou fora.

em outra cidade,
sinto saudade...

na catalunha,
quero quem me arranque a pele à unha,
que me desfaça de ti,
que me dê outras dores pra sentir.

(sem ti?)
faz um ano,

e já estou fazendo check-in.
será que você acordou?
será que pensou em desistir?
ainda tenho a chave do apartamento em icaraí.

se não me quiser, vou ficar fula
e chorar ali, na rua,
em frente à pedra do itapuca.

chego cedo, o caos aéreo acabou,
de manhã, sua casa ainda faz o silêncio da despedida,
você comprou o sofá!,
mas na cozinha ainda tem aquela louça pra lavar,
que bom!,
esse lugar ainda é familiar.

abro a porta do quarto,
como quem abre um velho diário,
pra gente continuar o nosso beijo
e aquilo que faltou
(como antes do vôo)
naquele samba que parou.

Fim,

Somos, estranhamente, pontuados nessa biografia,

cheios de vírgulas,

espantos!,

dúvidas,
(ou estou errado?)

e a cada capítulo que não se encerra…
Reticências,

ou, de repente,
um falso
ponto final
.

desencontro

A morte, me parece, é uma viajante apressada,
chega já, sem adeus e parte esquecendo-se de si.

Monotonia

Quero fazer coisas monótonas contigo
e desenterrar belas idéias mortas...

Compartilhar a cama, uma jura,
Pagar o pão,
comprar O Dia.

Perder-me em ti, confundir
fome, amor, desejo, frio, saudade...
um vento, um cheiro, uma idéia,
fugir dos sentidos na sua cidade.

Às vezes, ficar só,
outras, a sós.
Mas quero sempre morar a nós.

Viver o cada dia do nós
tornando-nos sós,

mesmo sabendo, enfim, que
somos feitos da mesma matéria dos sonhos...

os sons sonsos só sons só sonsos sons os sonsos sons só sons sonsos sós

seu sou eu só ou seu sou só eu ou só seu sou só ou eu sou só seu ou só eu sou seu ou só sou seu eu ou só sou só?

ou

seu
sou
eu

ou

seu
sou

eu
ou


seu
sou

ou

eu
sou

seu
ou


eu
sou
seu
ou


sou
seu
eu
ou


sou
só?

Parto Morto

S

A________________________________U
D





A
D






E




S
Perdi o sentido das palavras.
Cada letrinha perdeu o sentido em mim.

Um parto,
você vai partir
e eu, me repartir.

Tentei me lembrar de ter vivido isso antes.
Mas não.

Já não me recordava sequer de me sentir vivo.


Meus olhos, então, se perdem
nas entrelinhas,
nas linhas desviadas,
nas portas entreabertas,
nas palavras escritas entre pernas
me perdi, minha.

Somos um desencontro,
o silêncio suspenso no suspiro negado...

Assim
fico calado
e triste

feito o silêncio após o parto,
que anuncia o feto morto.

dicionário

.sucinto.

conciso,
breve,
brisa,
curto,
compresso,
comprimido,
espaço,
parêntese,
sintético,
síntese,
veloz,
rápido,
econômico,
susto,
suspiro,
piscada,
queda,
vida,
chama,
ira,
amor,
memória,
nota,
bilhete,
baixo,
fino,
frágil,
eco,
volátil,
efêmero,
bola,
brigadeiro,
ponto,
vírgula,
vontade,
salto,
estar,
arrepio,
pulo,
paixão,
suicídio,

Casamento, lembranças e outras coisas fúteis

Construímos o tempo que passamos juntos,
nossas mãos podem tocar o acúmulo das coisas vividas e amontoadas.
Casamento é um namoro que se materializa
no sinteco arranhado,
no sofá tingido com macarrão alho e óleo ou
no lençol que vai desbotando noite a noite...

Na banguça dos primeiros dias na (nossa!) casa nova,
no orgulho de ver as coisas se ajeitando,
nos móveis que parcelamos,
na cartinha do SPC
- nós vamos construindo o nosso tempo –

nas mil lembranças do cotidiano,
que marcam eternamente as coisas fúteis.

Palavras em 7 palmos medidas

Quando li sua carta,
desejei cada palavra sua,
que fosse eterna!

Não era, voava
com suas asas
as asas asas as as asas...

até baixar a sepultura de luto alcalino,

letra
a

l
e
t
r
a
s

vestiam o azul afiado, da minha escrita fina,
que espeta na folha essa coleção de palavras empalhadas.


Enfim,
Senti
enterrando-se em mim a saudade das palavras mortas...

Freud explica

Amar é sempre físico?

Sim, segundo Freud.
Sempre libido.


Amores têm aromas


de pele
entreaberta e úmida...

She's My Shoo Shoo

Gosto de fazer a minha comida
com as minhas próprias mãos e, depois,
comê-la,

gosto, também, das coisas que derretem na boca
(brigadeiro, sorvete, chocolate, pudim, mais chocolates, beijo, mais sorvetes, mais brigadeiros, mais beijos, mais, mais, mais!...)

e adoro pessoas que derretem no abraço,

gosto do abraço, porque é quando você pode estar em frente e em volta
ao mesmo tempo,
envolto.

Hmm...
Não sei que palavras usar.


Ah, já sei!
O abraço é quando as pessoas, enfim, se embrulham.

Desassossego

Desassossegada despedida
despedaça desejos.

Desvios
de
vidas:

Deixar
de
deitar,

desdá,
desfaz,
destrata,
desmama.

Desfruta
dessa dor
de
desamar.

Desdenha
de mim.

Desaba,
desabafa.

Desabitue-se
de amar.

Desabone-se
de doar-se.

Desabotoe-se
de pesares.

Descasa,
desacostume-se,
desafogue-se
desse afeto.

Descendência,
desdita.

Desculpe desaforos.
Desnevoe
desnecessários
desperdícios
de
desopilos.

Despiste despenhadeiros,
despose-me de novo,
desvirgine,
desmoçe,
destoe,
desonre.

Desvire de avesso
desvelos desvairados.

Desvende
desvãos de mim.

Desvencilhe
destemperos.

Desterre déspotas,
despeitos.

Desove
despautérios.

‘Despelar?’
‘Despodir?’
_ Desatinos!

Desquedelhe-se
desgostoso de si.

descambe, desaprumado, desatento,
desajuizado, destrambelhado, desarrazoado!
desagrave, desamuame-me!
desabroche.

Desnudo e
desnutrido
desenhe descaminhos deslumbrantes
deslize e
destile-se
dentro de mim.

Desminta o
desamor,
desmiolado!

DDD

Tu tu tu,
Tu tu tu,
Tu tu tu,


Deu desligado,
Deu ocupado,
Deu em nada,

Deus meu!
Deu de novo, só
Desdém.

Dei pití,
Dei azar,
Dei de ombros,

Deixei para lá.

p_a___r_____t________i___________r


.
-se.
.

Não me lembro de me sentir tão em paz.
A agitação das crianças não me incomoda nem um pouco e,
ainda, me tira meios sorrisos disfarçados a cada dez minutos.
Percebo a vaga sensação de medo - o medo ancestral de se afastar aos poucos e,
finalmente, partir - típico dos navegadores do mundo.

Estou sentada na poltrona de veludo azul do canto,
ao lado dos meus livros, lugar que escolhi para ler,
mas que acabou vencido pela cama.
O vem e vai das crianças contrasta com minha pouca energia,
observo sem inveja, olho a minha mão a folhear o livro e
constato o tic tac corrosivo dos anos que passei aqui, lembro:
A esperança é um dever – ou seria um de vir?
Minha memória me trai.

Troco as pernas, descruzo-as para acordá-las,
me rio da minha condição absurda.
Vestido largo, corpo que não me pertence.
Viro as páginas do seu livro que só meus dedos lêem.
Fito cega.

A mente me distrai e me senta no meio deles, no chão com o joystiIck nas mãos.
O passado ressurge, rolo de rir quando perco outra vez.
Jogam-se em cima de mim e gritam, gritam quando ganho.
Grito também.
Aperto os olhos com força.
Ecos de uma velha canção que fala da felicidade que nunca mais tornarei a ter.
Não me lembro de quando a solidão veio me acompanhar.

Meus irmãos discutem cinema e política como sempre, eu me abstenho como nunca.
Sinto o cheiro do mar e me levanto, caminho sem pressa até a varanda.
A solidão vem comigo.
Meu cunhado, com sensibilidade, percebe meu olhar e aponta um veleiro branco e distante.
Não quero o binóculo, obrigada. Prefiro assim, sem foco, sem detalhes.

Volta e meia alguém senta pertinho de mim,
fica a me velar.
Finjo que ouço, mas já parti, navego por portos desconhecidos.
Aliás, sou a donzela,
espero um herói coberto de sangue de piratas,
que vem no seu veleiro branco.

Meu espírito de bruxa dança invisível ao lado do meu corpo podre,
embalado pelos gritos.
Hipnotizada pela orgia oceânica, sinto a névoa sinistra e perfumada do vitorioso.
Na varanda, ilhada de vozes,
flutuo como espuma no quebra mar, alma da vida,
acordo para a eternidade singular nos braços dele,
girando.

A nitidez como que vejo, me cega para o que há aqui...
Um beijo na face me desperta com sorrisos.
Troco imediatamente todos os anos de sonhos por aquele
mããããããããeee! sonoro
que parece não precisar de fôlego.

Sinto saudades nos braços que me abraçam,
nas pernas que lhe sustentam em meu colo.
Ah, que cansaço insuportável!

Ganho um pedaço de bolo na boca, suponho o último.
Como bem devagar - memorizando, dividido em pedacinhos,
oferecidos na boca com papéis divertidamente invertidos.
Ele sorri, como se soubesse o que estou a pensar.

E penso em conceitos, princípios, caráter...
Marcas que devo ter deixado em meus filhos...

Mas o que realmente espero é que tenham comigo
aprendido a sonhar.


Sua Anna.

a sós, há sons...

Tic tac, ti ti ti, trim...

Depois de um dia manchado de ruídos,

entre o vrum vrum vrum dos carros

e os blá blá blás das pessoas murmurosas,

só quero chegar em casa...

Quieto.

Entrar no escuro.

Ouvir o novo disco do Chico,

o nosso poeta do som,

e entender de que é feito o silêncio.

Assim, sozinho pensar:

__ Enfim, sons.

Entrelinhas

Li desesperadamente seu livro

Entrelinhas,

somos o acaso,
o desviar dos olhares,
o desaperto do abraço,
o último beijo de adeus...

Só mais um minuto,
não vá não. (Ainda não...)

Menina, me negue
minha nos meus olhos.

Retalhos de nós
vão cantando os últimos segundos a sós...

Do seu corpo sai um hino triste,
que me nina os olhos cheios de manhãs...

Conto de Me Ninar

Minhas personagens se encontram
em lugares distantes,
sempre e errantes.

São contadoras de histórias,
fazedoras de contos.
Fazem de conta
que chegou ao fim.

Sherezade, das Mil e Uma Noites,
não daria conta
de contar
uma só noite sem fim.

São dessas que perdem a ponta
e o fio da meada,
quando, de quantas em quantas,
gozam um e outro e depois dizem sim.
Mas é o fim.

Acreditam nisso
feito duas tontas
e não se dão conta,
que são personagens
desse conto sem fim…

Escorpião de Jade

O cérebro é só massa cinzenta.
O coração é sangue.
É o sangue que corre o corpo todo
e conhece tudo
e se comunica com todos
e sabe de tudo,
recolhe tudo de todos,
e alimenta o cérebro parasita.

É o coração quem deve decidir.
O sangue sabe.
O cérebro só pensa.
[11/11/2002]
_________

Um personagem subterrâneo do Dostoiévski diz que a razão é limitada.
Ela só toca aquilo que conhece.
A emoção toca todas as coisas.
[18/10/2004 ]
__________


no Orkut:
Sorte de hoje:
"O coração é mais sábio do que a razão."

Antes do Amanhecer

Quando a conheci já estava na hora de começar a acreditar em alguma magia na Terra.
Ela me lembra o Antes do Amanhecer (um filme biográfico sobre meus sentimentos íntimos).
Porque nossas conversas são pontuadas pelo seu infinito caderninho de não-assuntos cabriolantes.

Só nesses momentos entendo o que a Julie Delpy fala no filme:
"Se existe algum tipo de mágica no mundo,
ela não está nas coisas,
mas nesse espaço que há entre nós, que nos liga,
nessa nossa capacidade de compartilhar..."

Ela é a mágica que tece do mundo absurdo uma bela colcha de retalhos onde posso pousar.
Queria que esse mundo fosse um lugar mais perto de você...
E quero de volta nossos silêncios,
nossas intermináveis conversas sem-assuntos.

Sinto sua falta todo dia,
de dançar Elis, no escuro,

Atrás da Porta,
antes de amanhecer,
entre o grupo de amigos que dormia
jogado nas almofadas,
feito orégano em pizzas.


Ela é aquele lugar entre o sonho e a madrugada,
onde as borboletas pousam nos ombros das almas tristes...
.
.
.


I Believe if there’s any kind of God, it wouldn’t be in any of us, not you or me, but just this little space in between. If there’s any kind of magic in this world, it must be in the attempt of understanding someone, sharing something. I know, it’s almost impossible to succeed, but who cares really? The answer must be in the attempt.”
Celine, personagem de Julie Delpy, no filme Antes do Amanhecer, de Richard Linklater.