Sr Skin e dr Malaquias

O senhor Skin era um doce de pessoa.
Certamente é a pessoa mais admirada e amada do Condado.
Ele nasceu ali, foi criado pelos fundadores do Condado, seus pais.
E sempre foi uma criança doce, obediente.
Ele cresceu, se tornou um jovem muito atlético e também estudioso.
Uma pessoa preocupada com as questões sociais, em agradar o próximo,
Um ser humano dedicado a entender diferentes culturas e a respeitar as divergências também. Conversava desejando entender o outro e não convencê-lo.
Sempre uma pessoa muito boa. Aquele tipo que nunca chegou atrasado no trabalho, nunca inventou doença para faltar.  Aliás é sempre muito saudável porque se alimenta bem em obediência aos ensinamentos da sua mãe.
Ele era um cara realmente incrível.
Casou, teve filhos e filhas, foi bom pai, bom esposo.
Era legal com amigos e amigas.
Temente a Deus, respeitava também os ateus.
O senhor Skin era uma pessoa maravilhosa e querida. Mesmo nos temas espinhosos.
Aliás, ele sempre debatia política, futebol e religião, se envolvendo em polêmicas milenares. Porém sua posição frente às polêmicas era tão respeitosa com os adversários que ele invariavelmente passava a ser admirado pelos outros debatedores. E muitas vezes estes voluntariamente mudavam as suas posições para agradar o amado senhor Skin.
Era um rapaz que posteriormente, já na velhice, viria a surpreender a todos com um fato muito interessante.
Bem, todos nós sabemos que mesmo pessoas tão boas quanto o senhor Skin não estão imunes às perseguições, injustiças, calúnias, invejas ou outra opressão qualquer... Tal como ter alguém no seu pé, sabe, aquela pedra no sapato que atrapalha, que nos dá trabalho para nos defender de coisas que não precisaríamos estar nos defendendo, porque não temos culpa.
De qualquer forma o senhor Skin, graças a sua serenidade, a sua forma de viver, sempre levou muito bem essas coisas.
Acontece que no Condado, todas as pessoas, em algum momento da vida, tinham errado. Mas o senhor Skin não. E isto levantava suspeitas na cabeça do jovem delegado. Irmão gêmeo do senhor  Skin. O doutor Malaquias.
Este delegado passou a perceber que as pessoas que cometiam delitos faziam de tudo para esconder suas culpas e portanto eram as menos suspeitas.
E conforme foi investigando acabou descobrindo que muitas pessoas que agiam como Skin ou que tentavam imitá-lo ou eram assim de maneira natural acabavam por enganar a polícia e não se tornavam suspeitos dos seus próprios crimes. Pelo menos por algum tempo, até que o infalível doutor Malaquias os desmascarava.
Sendo assim, desmascarando os criminosos através de perseguições e escutas e intimações, delações premiadas, o senhor delegado o dr Malaquias resolveu que iria investigar o Skin, porque não é possível que uma pessoa tão boa não tenha cometido um deslize sequer. Pelo menos um. Mesmo que não fosse para prendê-lo, pelo menos um para poder desmascará-lo.
Era um desafio fabuloso para o senhor delegado que já havia desmascarado todas as pessoas. Isto seria um feito de proposições e repercução Mundial, se o Condado não fosse tão ridiculamente pequeno e insignificante.
A longa ficha de serviços prestados do doutor Malaquias ia desde a dona Maricota que enfim tinha roubado uma rosa da roseira da vizinha porque estava mais bonita para enxertar clandestinamente no seu próprio jardim, ao trocador do ônibus Ariovaldo que ficou com 5 centavos da velhinha que já estava ficando cega, mas fingindo que não, se negava a usar óculos.
Sendo assim a última pessoa que faltava para o doutor Malaquias desmascarar era o senhor Skin. E já na juventude deste ele começou a botar arapongas, escutas, tocaias e seguir o sr Skin, que rapidamente percebeu. Claro né, alguém o dia inteiro atras de você, acaba percebendo, especialmente no Condado, que é um lugar muito (como já dito) pequeno.
Ele percebeu, mas como não faz nada de errado, não se importou. Só que esta perseguição durou anos, porque o senhor delegado o doutor Malaquias não dava o braço a torcer. Sua teoria era infalível e seus métodos imbatíveis.
Depois de dois anos, o seu subalterno questionou:
_ Senhor delegado, vamos continuar perseguindo? Gastamos muitos equipamentos e pessoal, recursos preciosos para pegar o indivíduo, mas parece que o senhor Skin realmente é uma pessoa boa. Ué, existe isso. Existem algumas pessoas más, outras que são boas. Então, pode acontecer de, por que não?, o senhor Skin ser uma pessoa boa.
_ Não, não é possível. Mesmo as pessoas boas cometem erros. Ou tem brio, amor próprio ou se zangam em algum momento. E Skinny  nunca se aborrece, não é possível. Dois anos é muito pouco. Vamos continuar seguindo porque ainda é jovem, talvez na velhice... Veremos. Talvez no ambiente de trabalho... Veremos...
Sendo assim, mantiveram-se os aparatos investigativos, que se por um lado eram os menores do Mundo em termos absolutos eram ao mesmo tempo os maiores do Mundo em termos relativos, considerando o tamanho da população local, principalmente se notarmos que em certa altura da vida todo este aparato ficou dedicado a investigar uma única pessoa.
O senhor Skin, a despeito de tudo isso, acabou a faculdade, arranjou trabalho, casou, teve filhos, foi um bom pai, como já dissemos. Mas nada acontecia, de acordo com doutor Malaquias.
Depois de 10 anos, realmente ficava estranho manter a perseguição, e portanto o senhor delegado resolveu pesquisar seu suspeito uma semana por mês. Passados mais dez anos, isto é no vigésimo ano de investigação, passou a segui-lo um mês por ano, mais dez anos... Depois um dia por mês... Mais anos e anos...
Até que um dia, aos 83 anos o delegado resolveu dar o braço a torcer, ligou para a sua equipe, suspendeu a perseguição, desligou as escutas e todo o sistema de vigilância. Eram 18h, então como se não houvesse mais nada que pudesse fazer, resolveu ver o pôr-do-sol na montanha e refletir sobre a sua vida.
Voltando para casa, já tinha escurecido, eram umas oito horas da noite, seguia tão intrigado com seus pensamentos que quase passa de sua própria casa, tamanha a distração. Assim que chega a sua própria porta, o dr Malaquias fica muito feliz, com uma nova perspectiva: por ter descoberto que realmente existe bondade no Mundo, seu erro pelo menos havia provado que havia uma pessoa boa no Mundo. Sua vida não foi desperdiçada, ainda que por linhas tortas. Se sua teoria infalível e seus métodos imbatíveis não provaram o que queriam, pelo menos tinham o mérito de inquestionavelmente provar o contrário.
E cheio de alegria e de si mesmo, felizmente abriu a porta de casa, deixou seus pertences no móvel, tirou as roupas, entrou no banho e se deixou levar por seus próprios pensamentos, enquanto a água quente do chuveiro se encarregava de levar o resto.
De repente, notou uma sombra crescendo sobre a cortina do banheiro, abriu-a e viu com uma faca na mão o amável senhor Skin.