Sobre esquecer

Eu a vi na rua.

Você sabe.

Nos falamos, por uns

segundos cordiais,

fiquei com meu sorriso nos olhos,

você pareceu muito feliz em me ver

também.

Estávamos indo em sentidos contrários,

e paramos no meio da faixa de pedestres,

 a multidão passava, incomodava-se

com nosso abraço.

Nosso primeiro abraço em anos,

talvez o último.

Você encontrou tempo para dizer que eu estava bem,

em vez de perguntar.

Depois fez questão de perguntar, só

para sentir meu constrangimento por não estar nada bem.

Não naquele momento.

Minha vida seguia tranquila,

mas encontrar você

me impôs sofrer de novo a nossa...
Separação. Rói aqui, ó.

Estava tão feliz em vê-la,

que quando vi já estava pegando em sua mão para conduzir à calçada.

Você,

se estiver lendo,

agora está dizendo que sou incoerente: _ Ficou feliz ou sofreu?; ou que não fez questão de perguntar nada; ou que não nos abraçamos; ou que sequer se lembra;

ou que não faz sentido nada disso.

E não faz mesmo.
(e ainda assim sabe que é do nosso encontro que estou falando)
Somente lembro

que na calçada eu disse Oi, de novo, e você riu.

Sabe que nunca tenho algo a dizer.

Completou mentalmente: _ Acabou o assunto.

Foi assim que começamos a namorar,

A vi caminhando na orla do Gragoatá,
lembra?
 vi,  vi,   vi,    vi,

e você passou por mim como se eu fosse invisível, (e era mesmo)

fiquei congelado, não disse nada. E

de súbito saí correndo atrás de você,

deixei minha amiga falando sozinha,

quando alcancei seu passo, acertei

meu andar com o seu,

percebi que estava sem sutiã, com aquela blusa

de alcinha amarela,

e toquei no seu ombro.

Você se virou,

as pintas do seu colo desenhavam uma constelação.

E eu disse Oi.

Você disse Oi.

E calei, (você é tão linda),

você me olhava
e sorria,

(Não, não me olhava assim,

e não, não sorria para mim,

só esperava que dissesse algo)

eu pensava em nada para dizer,

com medo de qualquer coisa.

Um

segundo, dois

segundos, três.

Tanto silêncio que se podia ouvir o bocejo da minha alma recém descoberta,

observei os fios de cabelo que desciam para frente dos seus olhos,

fiz o gesto de levar as mãos a seu rosto, por instinto,

mas você se espantou um pouco,

recuou um centímetro e disse:

_ Pode falar.

E

finalmente

falei:

_ Acabou meu assunto.

E você sorriu...
(para mim!)

Vento

Minha alma vermelha, perdida, é uma ilha
tingida com sangue que brota na despedida;
luciluz com a pulsação de uma filha
roubada por uma floresta bandida.

Nos achados e perdidos do tempo,
sonha com o umbilical momento
quando qualquer desalento
desfazia-se num breve...

Velho


Já havia desistido de buscar conforto nas   memórias   da infância,
ao contrário, deixei-me esvaziar.                                             E
                                   quando 
              abri                       de novo                            
                                                            os olhos,
                                                                  repleto de anos...
o mundo que temi                                  já não existia mais,




                                                                                              
   ...nem eu.                 .

Não cabe no dicionário


Inventei sua voz,
Para ouvir você me dizer: "eu te..."
(Ouso amar)
Outro dia sonhei que não havia desencontro. E meu travesseiro sentia
seu cheiro, que imagino ser de chuva, algodão e pirilampos.
Mas não lhe sonho perfeito, amo sua
voz que sussurra arrepios, nuvens e éter. Mas
no meu sonho você nunca fica.
Na minha vida, nunca vem.

E vida passa,
Ando na praia,
Conto o tempo pelas estantes que vou enchendo de livros,
enquanto aguardo. Cada romance me povoa.
Preenche qualquer coisa que eu não sabia
Que havia em mim.
Mudo de profissão,
Abro um negócio,
Vejo um filme,
E me lembro de você
Que só existe em mim.
Mas
e se um dia você tocar a campainha?
Vem a onda e afundo meus pés na areia molhada. Percebo o quanto está fria, penso que posso ficar resfriada amanhã, e acho que vale a pena. Quando a onda recua, afundo mais um pouquinho. E me lembro de que quando criança ficava paradinha, nessa posição para ver se a areia fina conseguia me engolir,                 enquanto a onda escorria de volta para o mar.
Mais um sonho.
E nasce mais um dia
                        sem você.
Mais saudade,

Outro dia da janela da minha casa,
vi um barco passando fazendo tectectec, na estrada lunar, eu
soltava minha fumaça branca.
Como um índio-americano de desenho animado,
lhe mandei uma mensagem:
_ quero costurar sua sombra em mim.
Sigo lhe imaginando, mãos de terra, barba áspera e beijos de mar, a espalhar sua espuma em mim.
Cato conchas, como testemunhas de que nesse dia soube amar.

Sei que vou reconhecê-lo, ainda que com outra voz ou outro cheiro.
Outras mãos,
e mais que beijos.
Joga areia da praia sob meus pés, para me lembrar da primeira vez que vi o mar. Caminhamos juntos,
conversamos sobre Shakespeare, Gramsci, Monty Python e Arnaldo Antunes como quem fala do tempo, do tráfego, ou do mormaço que não me deixa pensar. Do dia em que rimos das piadas de meu pai.
Sinto saudade de todos esses sonhos. Sinto tantas saudades suas.
Pena você não existir,
um ser feito de sombras, sonhos e saudades. Não cabe no dicionário
Por isso,
vou lhe chamar:

_ Sonhades,