ano 2011, Parte II

Ext. Rua. Noite a dentro.

Há várias pessoas caminhando pela rua, famílias inteiras, casais, grupos de amigos, carros andam lentamente, porque as ruas estão lotadas. O casal protagonista caminha lado a lado, rindo muito, muito mesmo. Uma felicidade que destoa da felicidade geral.

_ Se continuarmos a rir assim em 2011, precisaremos de bochechas novas.
_ Foi por isso que acabei ficando aqui, conversando com você.
_ Por isso o quê? Você quer bochechas novas?
_ Éhh, por isso. Sempre quis bochechas novas, acho minhas bochechas grandes demais.

_ E se deu conta agora de que rindo irá conseguir bochechas novas?

_ Lógico evidente. As minhas bochechas estão mortas de cansaço de tanto rir.

_ É faz muito sentido. Eu vou te ajudar falando de coisas sérias.

_ Você?! Você vai falar de coisas sérias? Quero só ver.
_ Vou tentar falar de coisas sérias, só para deixar as bochechas descansarem.
_ Sérias como? Como sentir-se a Julia Roberts? Uma Linda Mulher.

_ Sérias como: nós nunca vamos terminar esse assunto. De-sis-ta!

_ Só estou lhe dando uma oportunidade de esclarer uma afirmação um tanto quanto...
_ Mal interpretada? Deturpada? Você é irritantemente insistente.

_ Então é melhor falar logo, porque no seu leito de morte ainda estarei perguntando sobre isso e na sua lápipe irei escrever “Aqui jaz um filho, irmão, amigo, marido e pai, que se sentia uma linda mulher”.

_ Você sabe que eu volto para puxar seu pé.

_ Baby, estou andando de salto alto agulha no paralelepído, não há nada que assuste meus pés. Conta logo!

_ Em respeito a minha lápide, vou falar.

_ Vai falar? Sério? Pela sua lápide? Que estranho. Você não teria vergonha disso enquanto vivo, mas depois de morto ia passar a ter?

_ Tudo piora quando estamos mortos.
_ Ouvi dizer que tudo melhora quando morremos.

_ Quem disse?
_ Sei lá, Deus, ou Patrick Shwayze em Ghost.

_ Está aí um fantama que se sentia uma linda mulher no corpo da Whoopi Goldberg, acariciando e beijando a Demi Moore.

_ Obrigada pelos pesadelos, você me lembrou dessa cena medonha, uma das cenas de terror involuntário do cinema.

_ E você ainda dá ouvidos a esse fanstama cross-dressing?

_ Homofóbico!

_ Desculpe, tem razão, não serei mais homofóbico e a vida deve melhorar quando morremos, Whoopi Shwayze.

_ A vida não. Tudo. Presta atenção na conversa.

_ Enfim...

(silêncio)

_ Acabou o assunto?
_ Qual assunto?
_ O nosso assunto.

_ Que nosso assunto?

_ Nenhum assunto específico, é que ficamos calados agora. Aí perguntei se acabou, se não temos mais assunto um com outro.
_ Acho que nunca tivemos assunto.

_ O que fizemos a noite toda então?

_ Só estamos brincando de conversar.

_ É mesmo, muito divertido. Você é divertido.

_ Não sou, não. Sou chato.

_ Eu sei, a divertida sou eu.

_ Tá bom... Não é mesmo.

_ Então a gente estava rindo do quê?

_ Não lembro, acho que é porque bebemos.

_ Para, não começa com bobeira. Bebida não é resposta pra nada.

_ Não é a resposta, é a aniquilação das perguntas.

_ Aniquilação?

_ Aniquilação ué.
_ Quer dizer que beber provoca um genocídio de perguntas? A exterminação completa e inconteste de todas as interrogações...

_ Bem, isso se elas forem feitas de neurônios, o que está evidente de que é sim. Por falar nisso, quanto você bebeu mesmo, hein?

_ Para de bobeira, meus neurônios estão vivos e eu não quero mais rir. E não bebi tanto assim.

_ Não estou de bobeira, estou lhe chateando, mas você bêbada fica aí rindo.

_ Não estou tão bêbada assim.

_ Nem eu. Só bebi uma garrafa de vinho, e você?

_ Eu não vou falar o quanto bebi.

_ É.

_ Não vou falar e ponto.

_ Você não sabe o quanto bebeu! É isso.

_ Num é nada. Eu bebi o suficiente para saber que não estou bêbada.

_ E desde quando uma pessoa precisa beber o suficiente para saber que não está bêbada?

_ Aah...

_ Aaaah o quê?

_ Ah, não sei.

_ A ha! Até que enfim ficou sem respostas.

_ Ah, já sei!: você se sente aquela puta!