Sem Verbo

I-
Um sonho bom a semana inteira.
Durante toda a semana
o mesmo sonho de domingo a sábado,
no início: entre beijos, pela boca entreaberta, carícias a contra pêlo e
palavras adstringentes (por fim).
E tudo de novo, todos os dias, ou melhor, todas as noites,
todas as madrugadas, esses dias negros!


Depois disso,
já de olhos despertos,
saudade, por todos lugares
(De todos lares
aos copos dos bares).

Na verdade, muita saudade,
um pouco de lamento e um tempo de solidão.
Nesse tempo, por baixo dos panos, em segredo, minha angústia,
por cima deles: meu romantismo duvidoso com textos sem verbos,
sem esperança,

sem força para nada,
somente para os passos.
Passo após passo,
meus pés independentes de mim,
minha vida sobre o peito do pé,
pé ante pé,
pelo seu caminho,
desse caminho à corda bamba,
com felicidade falsa de um lado,
conformismo verdadeiro de outro,
passo após passo,
equilíbrio após susto,
até que um passo em falso...
Poft! na calçada.

Último delírio,
num dia muito esquisito
feito de hoje.






II -
Hoje, você e eu juntos de novo,
dessa vez fora do sonho,
aqui dentro, num passo em falso de morte...
Morte: com olhos tristes, atônitos, até o chão,
além dele, pelos seus sete palmos.

Sonho e realidade, tudo muito confuso, confusão com sabor de saliva.
A saliva das suas palavras desnecessárias, seu aviso, suas certezas equivocadas:
“Hoje e nunca mais”... (de novo!?)

Do seu último “nunca” até agora: uma semaninha.
mesmo num Nunca breve assim, que ruim!
Seu nunca, tempo demais para minha vida curta,

mais breve vida.
Nunca, pela metade! pelo menos.


Pois metade do seu nunca, numa matemática apressada, igual a 3 (três) dias [e meio]!!!


Nesse meio nunca, só beijos, palavras e abraços,
bocas, cansaços e juras, uma felicidade só.
Felicidade em meio ao nunca...


Uma vida generosa, sem nuncas,
como no sonho:

7 vezes: de domingo a sábado.
Assim, saudade, lamento e solidão: nunca mais!
Na verdade, um pouquinho de saudade, talvez.
(e um ‘nunca mais’ de fato, não o seu nunca mais)

Na realidade,
porém, na nossa cadeia:

Depois do nunca, os dias.
Depois de dias, a noite.
Durante a noite, o sonho.
Depois do sonho, a saudade.
Durante a saudade, a espera.
Depois da espera, a bonança.
Durante a bonança, os beijos (e que beijos!).
Depois dos beijos, a tempestade.
Durante a tempestade, o “nunca mais”.
Depois do nunca, mais espera...
Até quando?

Até quando: Hiatos,
(de quando em quando, mas sempre desnecessários)
entre um sujeito sem verbos
e um triste predicado sem jeito.
Hiato da promessa em sonhos às madrugadas do nunca.

Sonho bandido

Ver-te assim, sereno
me rouba o sono
e me vingo:
assopro no ouvido uma jura
que arrepia teu sonho bandido.

Abrem-se os olhos,
que me deixam nua.

No silêncio do despertador,
acerto minha respiração com a tua
como quem dá corda no relógio da vida,

na primeira manhã da despedida...

Causa Mortis

Agora,

vou esconder minha tristeza,
para não ser egoísta,

e dar alegria, na mesa do bar,
p'ros meus amigos tristes...

Na rua,
tapo meus ouvidos com música,


para calar essa dor
que me mói os ossos

pouco a pouco


e mais um tanto...



até ranger!


Mas em casa, não ligo a tevê,
e deixo enfim me abater,
meu desalento incurável...

Só para gostar de estar vivo,
nessa última noite sem fim.

longe assim: . . .


Você reparte-nos...
Vai
embora.
(para longe assim:>>>>>>>>. . .)

E seus passos vão
>>>>>>>>>>>>caindo

>>>>na calçada

>>>>>>>>>>>>como folhas

>>>>de um outono

>>>>>>>>>>>>severo . . .

Minhas mãos de adeus voam . . .
Como pássaros migratórios,

Vou seguir seus rastros vãos;
essas memórias caídas,
feito migalhas de pão.

>>sei que você
>>>>>>>>>>vai e
>>>>>>>>>>>>volta,
>>>>>>>>>>>>vai
>>>>>>>>>> voar
>>>>>>>>o vôo
>>>>em vão . . .

Pousa, no precipício do mundo,
onde mil olhares deságuam
feito reticências,
num poema triste . . .

Vestígios

Rabisco idéias em mil fragmentos
de papel, junto agulha, linha e borracha
pra cozer uma estranha colcha de retalhos...
Cubro-me dessas teorias entrelaçadas,
(frutos do ócio, do tédio, das coisas que andei usando)
e durmo. Sonho com meu livro de fogo e sombras,
acordo-me em cinzas

de mim, sobram apenas
vestígios de um livro fantástico.
Sou esses textos mutilados.

Mas
passou por mim um Poema pronto (com trilha sonora e tudo)
e não parou...
Meu pulso, sim.




(ou melhor, quase).


E você desaparece,
(enquanto ainda decido se corro atrás ou faço Psiu!)
minhas horas se consomem em sua espera,

no ônibus, na UFF, no corredor, na praça,
na rua, no prédio, naquela festa, na van...

__ Passa aqui quando voltar de sei lá.
Meu Poema desconhecido,
vai por aí, desenhando palavras aladas,
com seus passos que transbordam dorremis.

Turista

“Eu conheci uma espanhola natural da Catalunha,
queria que eu tocasse castanhola
e pegasse o touro à unha”
Alberto Ribeiro / Braguinha



_ samba comigo?

não sei o samba,
não sou daqui.
você pode me ensinar?

_ claro! porém eu não sei. semana que vem, talvez.

mas vou embora amanhã,
minhas férias acabaram,
estou aqui há quase um mês,
só temos essa noite...

(....)

já são meio dia,
definitivamente, preciso ir.
sinto falta da minha casa
de barcelona,
de ver gaudí.
mas roendoasunhasmente, quero ficar
(nesse meu novo lugar).

já não sei desatar os nós
que construímos nessa última noite,
como desfazer-nos?
e partir...,

você ainda dorme...
sem querer acordar, lhe chamei,
disse tchau, fica com deus.

e vôo,
às 16h, no galeão.

enquanto isso,
meu guapo,
você sonha mais
e mais...
o seu sono fabuloso.

(....)

ainda não sabe que estou fora.

em outra cidade,
sinto saudade...

na catalunha,
quero quem me arranque a pele à unha,
que me desfaça de ti,
que me dê outras dores pra sentir.

(sem ti?)
faz um ano,

e já estou fazendo check-in.
será que você acordou?
será que pensou em desistir?
ainda tenho a chave do apartamento em icaraí.

se não me quiser, vou ficar fula
e chorar ali, na rua,
em frente à pedra do itapuca.

chego cedo, o caos aéreo acabou,
de manhã, sua casa ainda faz o silêncio da despedida,
você comprou o sofá!,
mas na cozinha ainda tem aquela louça pra lavar,
que bom!,
esse lugar ainda é familiar.

abro a porta do quarto,
como quem abre um velho diário,
pra gente continuar o nosso beijo
e aquilo que faltou
(como antes do vôo)
naquele samba que parou.

Fim,

Somos, estranhamente, pontuados nessa biografia,

cheios de vírgulas,

espantos!,

dúvidas,
(ou estou errado?)

e a cada capítulo que não se encerra…
Reticências,

ou, de repente,
um falso
ponto final
.

desencontro

A morte, me parece, é uma viajante apressada,
chega já, sem adeus e parte esquecendo-se de si.

Monotonia

Quero fazer coisas monótonas contigo
e desenterrar belas idéias mortas...

Compartilhar a cama, uma jura,
Pagar o pão,
comprar O Dia.

Perder-me em ti, confundir
fome, amor, desejo, frio, saudade...
um vento, um cheiro, uma idéia,
fugir dos sentidos na sua cidade.

Às vezes, ficar só,
outras, a sós.
Mas quero sempre morar a nós.

Viver o cada dia do nós
tornando-nos sós,

mesmo sabendo, enfim, que
somos feitos da mesma matéria dos sonhos...

os sons sonsos só sons só sonsos sons os sonsos sons só sons sonsos sós

seu sou eu só ou seu sou só eu ou só seu sou só ou eu sou só seu ou só eu sou seu ou só sou seu eu ou só sou só?

ou

seu
sou
eu

ou

seu
sou

eu
ou


seu
sou

ou

eu
sou

seu
ou


eu
sou
seu
ou


sou
seu
eu
ou


sou
só?

Parto Morto

S

A________________________________U
D





A
D






E




S
Perdi o sentido das palavras.
Cada letrinha perdeu o sentido em mim.

Um parto,
você vai partir
e eu, me repartir.

Tentei me lembrar de ter vivido isso antes.
Mas não.

Já não me recordava sequer de me sentir vivo.


Meus olhos, então, se perdem
nas entrelinhas,
nas linhas desviadas,
nas portas entreabertas,
nas palavras escritas entre pernas
me perdi, minha.

Somos um desencontro,
o silêncio suspenso no suspiro negado...

Assim
fico calado
e triste

feito o silêncio após o parto,
que anuncia o feto morto.

dicionário

.sucinto.

conciso,
breve,
brisa,
curto,
compresso,
comprimido,
espaço,
parêntese,
sintético,
síntese,
veloz,
rápido,
econômico,
susto,
suspiro,
piscada,
queda,
vida,
chama,
ira,
amor,
memória,
nota,
bilhete,
baixo,
fino,
frágil,
eco,
volátil,
efêmero,
bola,
brigadeiro,
ponto,
vírgula,
vontade,
salto,
estar,
arrepio,
pulo,
paixão,
suicídio,

Casamento, lembranças e outras coisas fúteis

Construímos o tempo que passamos juntos,
nossas mãos podem tocar o acúmulo das coisas vividas e amontoadas.
Casamento é um namoro que se materializa
no sinteco arranhado,
no sofá tingido com macarrão alho e óleo ou
no lençol que vai desbotando noite a noite...

Na banguça dos primeiros dias na (nossa!) casa nova,
no orgulho de ver as coisas se ajeitando,
nos móveis que parcelamos,
na cartinha do SPC
- nós vamos construindo o nosso tempo –

nas mil lembranças do cotidiano,
que marcam eternamente as coisas fúteis.

Palavras em 7 palmos medidas

Quando li sua carta,
desejei cada palavra sua,
que fosse eterna!

Não era, voava
com suas asas
as asas asas as as asas...

até baixar a sepultura de luto alcalino,

letra
a

l
e
t
r
a
s

vestiam o azul afiado, da minha escrita fina,
que espeta na folha essa coleção de palavras empalhadas.


Enfim,
Senti
enterrando-se em mim a saudade das palavras mortas...

Freud explica

Amar é sempre físico?

Sim, segundo Freud.
Sempre libido.


Amores têm aromas


de pele
entreaberta e úmida...

She's My Shoo Shoo

Gosto de fazer a minha comida
com as minhas próprias mãos e, depois,
comê-la,

gosto, também, das coisas que derretem na boca
(brigadeiro, sorvete, chocolate, pudim, mais chocolates, beijo, mais sorvetes, mais brigadeiros, mais beijos, mais, mais, mais!...)

e adoro pessoas que derretem no abraço,

gosto do abraço, porque é quando você pode estar em frente e em volta
ao mesmo tempo,
envolto.

Hmm...
Não sei que palavras usar.


Ah, já sei!
O abraço é quando as pessoas, enfim, se embrulham.

Desassossego

Desassossegada despedida
despedaça desejos.

Desvios
de
vidas:

Deixar
de
deitar,

desdá,
desfaz,
destrata,
desmama.

Desfruta
dessa dor
de
desamar.

Desdenha
de mim.

Desaba,
desabafa.

Desabitue-se
de amar.

Desabone-se
de doar-se.

Desabotoe-se
de pesares.

Descasa,
desacostume-se,
desafogue-se
desse afeto.

Descendência,
desdita.

Desculpe desaforos.
Desnevoe
desnecessários
desperdícios
de
desopilos.

Despiste despenhadeiros,
despose-me de novo,
desvirgine,
desmoçe,
destoe,
desonre.

Desvire de avesso
desvelos desvairados.

Desvende
desvãos de mim.

Desvencilhe
destemperos.

Desterre déspotas,
despeitos.

Desove
despautérios.

‘Despelar?’
‘Despodir?’
_ Desatinos!

Desquedelhe-se
desgostoso de si.

descambe, desaprumado, desatento,
desajuizado, destrambelhado, desarrazoado!
desagrave, desamuame-me!
desabroche.

Desnudo e
desnutrido
desenhe descaminhos deslumbrantes
deslize e
destile-se
dentro de mim.

Desminta o
desamor,
desmiolado!

DDD

Tu tu tu,
Tu tu tu,
Tu tu tu,


Deu desligado,
Deu ocupado,
Deu em nada,

Deus meu!
Deu de novo, só
Desdém.

Dei pití,
Dei azar,
Dei de ombros,

Deixei para lá.

p_a___r_____t________i___________r


.
-se.
.

Não me lembro de me sentir tão em paz.
A agitação das crianças não me incomoda nem um pouco e,
ainda, me tira meios sorrisos disfarçados a cada dez minutos.
Percebo a vaga sensação de medo - o medo ancestral de se afastar aos poucos e,
finalmente, partir - típico dos navegadores do mundo.

Estou sentada na poltrona de veludo azul do canto,
ao lado dos meus livros, lugar que escolhi para ler,
mas que acabou vencido pela cama.
O vem e vai das crianças contrasta com minha pouca energia,
observo sem inveja, olho a minha mão a folhear o livro e
constato o tic tac corrosivo dos anos que passei aqui, lembro:
A esperança é um dever – ou seria um de vir?
Minha memória me trai.

Troco as pernas, descruzo-as para acordá-las,
me rio da minha condição absurda.
Vestido largo, corpo que não me pertence.
Viro as páginas do seu livro que só meus dedos lêem.
Fito cega.

A mente me distrai e me senta no meio deles, no chão com o joystiIck nas mãos.
O passado ressurge, rolo de rir quando perco outra vez.
Jogam-se em cima de mim e gritam, gritam quando ganho.
Grito também.
Aperto os olhos com força.
Ecos de uma velha canção que fala da felicidade que nunca mais tornarei a ter.
Não me lembro de quando a solidão veio me acompanhar.

Meus irmãos discutem cinema e política como sempre, eu me abstenho como nunca.
Sinto o cheiro do mar e me levanto, caminho sem pressa até a varanda.
A solidão vem comigo.
Meu cunhado, com sensibilidade, percebe meu olhar e aponta um veleiro branco e distante.
Não quero o binóculo, obrigada. Prefiro assim, sem foco, sem detalhes.

Volta e meia alguém senta pertinho de mim,
fica a me velar.
Finjo que ouço, mas já parti, navego por portos desconhecidos.
Aliás, sou a donzela,
espero um herói coberto de sangue de piratas,
que vem no seu veleiro branco.

Meu espírito de bruxa dança invisível ao lado do meu corpo podre,
embalado pelos gritos.
Hipnotizada pela orgia oceânica, sinto a névoa sinistra e perfumada do vitorioso.
Na varanda, ilhada de vozes,
flutuo como espuma no quebra mar, alma da vida,
acordo para a eternidade singular nos braços dele,
girando.

A nitidez como que vejo, me cega para o que há aqui...
Um beijo na face me desperta com sorrisos.
Troco imediatamente todos os anos de sonhos por aquele
mããããããããeee! sonoro
que parece não precisar de fôlego.

Sinto saudades nos braços que me abraçam,
nas pernas que lhe sustentam em meu colo.
Ah, que cansaço insuportável!

Ganho um pedaço de bolo na boca, suponho o último.
Como bem devagar - memorizando, dividido em pedacinhos,
oferecidos na boca com papéis divertidamente invertidos.
Ele sorri, como se soubesse o que estou a pensar.

E penso em conceitos, princípios, caráter...
Marcas que devo ter deixado em meus filhos...

Mas o que realmente espero é que tenham comigo
aprendido a sonhar.


Sua Anna.

a sós, há sons...

Tic tac, ti ti ti, trim...

Depois de um dia manchado de ruídos,

entre o vrum vrum vrum dos carros

e os blá blá blás das pessoas murmurosas,

só quero chegar em casa...

Quieto.

Entrar no escuro.

Ouvir o novo disco do Chico,

o nosso poeta do som,

e entender de que é feito o silêncio.

Assim, sozinho pensar:

__ Enfim, sons.

Entrelinhas

Li desesperadamente seu livro

Entrelinhas,

somos o acaso,
o desviar dos olhares,
o desaperto do abraço,
o último beijo de adeus...

Só mais um minuto,
não vá não. (Ainda não...)

Menina, me negue
minha nos meus olhos.

Retalhos de nós
vão cantando os últimos segundos a sós...

Do seu corpo sai um hino triste,
que me nina os olhos cheios de manhãs...

Conto de Me Ninar

Minhas personagens se encontram
em lugares distantes,
sempre e errantes.

São contadoras de histórias,
fazedoras de contos.
Fazem de conta
que chegou ao fim.

Sherezade, das Mil e Uma Noites,
não daria conta
de contar
uma só noite sem fim.

São dessas que perdem a ponta
e o fio da meada,
quando, de quantas em quantas,
gozam um e outro e depois dizem sim.
Mas é o fim.

Acreditam nisso
feito duas tontas
e não se dão conta,
que são personagens
desse conto sem fim…

Escorpião de Jade

O cérebro é só massa cinzenta.
O coração é sangue.
É o sangue que corre o corpo todo
e conhece tudo
e se comunica com todos
e sabe de tudo,
recolhe tudo de todos,
e alimenta o cérebro parasita.

É o coração quem deve decidir.
O sangue sabe.
O cérebro só pensa.
[11/11/2002]
_________

Um personagem subterrâneo do Dostoiévski diz que a razão é limitada.
Ela só toca aquilo que conhece.
A emoção toca todas as coisas.
[18/10/2004 ]
__________


no Orkut:
Sorte de hoje:
"O coração é mais sábio do que a razão."

Antes do Amanhecer

Quando a conheci já estava na hora de começar a acreditar em alguma magia na Terra.
Ela me lembra o Antes do Amanhecer (um filme biográfico sobre meus sentimentos íntimos).
Porque nossas conversas são pontuadas pelo seu infinito caderninho de não-assuntos cabriolantes.

Só nesses momentos entendo o que a Julie Delpy fala no filme:
"Se existe algum tipo de mágica no mundo,
ela não está nas coisas,
mas nesse espaço que há entre nós, que nos liga,
nessa nossa capacidade de compartilhar..."

Ela é a mágica que tece do mundo absurdo uma bela colcha de retalhos onde posso pousar.
Queria que esse mundo fosse um lugar mais perto de você...
E quero de volta nossos silêncios,
nossas intermináveis conversas sem-assuntos.

Sinto sua falta todo dia,
de dançar Elis, no escuro,

Atrás da Porta,
antes de amanhecer,
entre o grupo de amigos que dormia
jogado nas almofadas,
feito orégano em pizzas.


Ela é aquele lugar entre o sonho e a madrugada,
onde as borboletas pousam nos ombros das almas tristes...
.
.
.


I Believe if there’s any kind of God, it wouldn’t be in any of us, not you or me, but just this little space in between. If there’s any kind of magic in this world, it must be in the attempt of understanding someone, sharing something. I know, it’s almost impossible to succeed, but who cares really? The answer must be in the attempt.”
Celine, personagem de Julie Delpy, no filme Antes do Amanhecer, de Richard Linklater.

.Waking Life.

Só os predestinados
podem dar o abraço
mais íntimo,

sufocante
e úmido

do que o beijo dos amantes.

[19/12/2005]

Lu Morena

__ A palavra “Literalmente” tem caído em desuso, ou melhor em superuso, perdendo o sentido original.

__ É mesmo. Tive um professor que disse que uma lei tinha ficado, abre aspas: "li-te-ral-mente uma merda"! Mas eu duvido que a lei tenha, por milagre, virado cocô de verdade!

__ Usam pra falar “de verdade”. Ou quando querem dizer “em abundância”.

__ É verdade. Ou pior, literalmente!

__ Tipo “caiu o maior pé d’água... literalmente”.

__ Dá vontade de perguntar "e quanto a água calçava?"

__ Ou “levou pro ortopedista?”.

__ Tem gente que diz: “Tá chovendo canivete... literalmente”. Enfim...

__ Ah, mas “tá chovendo canivete” ninguém diz, ou diz? A idéia é exatamente de coisa absurda... A expressão não é "nem que chova canivete"? Como aquela: “nem que a vaca tussa!”

__ Então, erram em todos os sentidos!

(...)

__ Ai, ai, estou sentindo um vazio por dentro, deve ser fome de alguma coisa... Literalmente.

__ Comeria um boi inteiro? Literalmente.

__ Só se a vaca tossisse...

(...)

__ Vamos fazer um movimento a favor do uso de "metaforicamente"? Com sorte as pessoas desistem do literalmente e correm o risco de acertar mais.

__ Proponho outro termo, “literariamente”. Seria assim: está chovendo canivetes, literariamente.

__ É poético, eu gosto. De repente têm uns termos que perdem o sentido metafórico e ganham um sentido absurdo.

__ De repente, a gente faz um movimento para incluir na gramática a figura de linguagem do absurdo, aliás, figura muito popular.
__ É, mas se escreve Junto ou separado? De repente ou derrepente? Voto no primeiro.

__ De repente... Vamos analisar à luz da gramática normativa à brasileirinha. Sendo que REPENTE é a coisa e DE é a partícula e sendo "coisa" e "partícula" nomes genéricos que acabei de dar em substituição aos nomes reais das classes de palavras às quais elas pertencem. Podemos afirmar com certeza que nossas afirmações são cobertas de imprecisões, por tanto de repente é, sem sombra de dúvidas, separado, pois partícula e coisa sempre estão separadas, pois se ficassem juntas perderia o sentido existir uma classe de palavras chamada partícula. E tenho dito!

__ [risos] Eu prefiro você ao Bechara.

__ Eu também. Ele é muito careta e ultrapassado...

__ Sinto muito por ele, vamos fazer uma gramática com o seguinte nome: gramática para quem escreve.

__ Pensei que seria gramática de leigos.
__ Quem é leigo aqui?! Sinto muito se você não entendeu minha explicação.

__ "Sinto muito" é uma coisa que não diz nada, né? Sente muito o quê? Muito feliz? Muito arrependimento? Tudo junto? É uma espécie de coringa.

__ “Sinto muito” tem contexto, logo não precisa de texto.

__ Mas pode ser dito em muitos contextos diferentes!

__ Geralmente o contexto de tristeza...

__ De tristeza porque se convencionou assim, mas não é o que o texto diz! Em inglês, sorry é de tristeza, de sorrow... Lá faz sentido "I'm so sorry".

__ Será que na origem tinha mais texto? Será que sinto muito é uma contração?

__ Deve ter perdido os complementos, que nem o "obrigado" que, pelo que ouvi dizer, antes era algo do tipo "sinto-me obrigado a retribuir o favor"…

__ Mui grato a quem cortou!

__ Pois é. Ninguém deveria se sentir à vontade de pedir nada pra outra pessoa, só pra não se sentir obrigado depois...

__ Por isso minha vó dizia: “não peça o que você não pode tomar”.

__ Quem toma não se sente obrigado a nada. Logo, o simples obrigado, salvou o mundo do toma lá da cá, no bom sentido e do eterno sinto muito isso, sinto muito aquilo... Sorry.

__ Mas talvez seja isso, estrangeirismo do inglês pro português.

__ É, pode ser. Se algum dia alguém me perguntar, vou dizer que é por isso mesmo!

__ Me ajuda, escreve um pedaço da música do Boby Marley para mim.

__ Qual? “Get up, stand up: stand up for your rights! Get up, stand up: don't give up the fight!” Essa?

__ Isso, só isso mesmo, "sinto-me muito obrigado a retribuir o favor".

__ Ótimo. Depois te obrigo a alguma coisa.

__Eu nunca diria "de nada", se as pessoas ainda quisessem se obrigar a alguma coisa!


__ Quem organiza a exibição do filme do Cine Icaraí, você?

__ Pode ser, mas é a ultima vez que faço isso. Chega de atos exibicionistas.

__ Ah, por quê?

__ Porque é chato fazer o mesmo ato de novo e sempre e do mesmo jeito e de novo...

__ "Ato contínuo", de repente, adquiriu todo um novo significado.

__ Mas não é “moto continuo”?

__ É, mas as expressões compartilham contextos. E mudam continuamente.

__ Tem uma mensagem dizendo que você queria compartilhar arquivo comigo!
__ Compartilhar?
__ Compatilhar é legal.
__ Ah, cliquei sem querer em alguma coisa aqui e apareceu uma janela dizendo isso, que eu queria compartilhar um arquivo. Como eu não queria compartilhar nada, fechei o trem.
__ Hunf. Que tolo que fui, acreditei no eme-ésse-ene!
__Tolinho... Mas compartilharia minha vida com você! (se o msn tivesse essa opção...)
__ Você cancelaria, eu sei. Até porque o arquivo é grande, demora, você cansaria.
__ Que isso? Com esses diálogos, uma vida é pouco pra compartilhar.
__ Nossos diálogos sempre foram bons textos. Lembra daquele filme, Xeque-mate, com os diálogos absurdos que nem os nossos? O filme da ataraxia!
__ Muito divertido, pena que tem gente no mundo sem senso de humor e não gostou do filme. Mas... ataraxia? Que foi? Anda lendo dicionário de polissílabos?
__ É, ataraxia: é o poder de não se preocupar.
__ Aliás, deveria existir um dicionário de polissílabos.

__ De repente existe. Seria um bom dicionário... Anyway, no filme o cara fala que tem ataraxia. Eu revi há uns meses e decorei a palavra.

__ Hum, isso beira a psicopatia. Patologia de Don’t Worry, Be Happy.

__ Na verdade, ataraxia é uma coisa bonita. É algo acima do nirvana (não a banda).

__ Interessante. Então o nirvana é um tipo de psicopatia voluntária?

__ Não é porque você está violento hoje que o budismo se tornou uma patologia!

“Ataraxia é um termo ligado às correntes filosóficas gregas do Ceticismo, Estoicismo e Epicurismo, o qual é sinônimo para: Paz e imperturbabilidade de espírito; Ausência de ansiedade; Tranquilidade e impassibilidade da alma; Felicidade derivada da virtude; A experiência do ótimo, a qual leva ao prazer natural, ético e estável. Segundo tais correntes, a ataraxia é possível de ser alcançada: Atendendo-se aos desejos naturais; Ignorando-se os desejos supérfluos; Eliminando-se as paixões; A ataraxia epicurista é basicamente o triunfo da razão do homem - geralmente a duras penas - sobre a irracionalidade do ambiente que o circunda. É um estado de espírito onde o homem deixa de temer o divino, a dor e principalmente, a morte.”

__ Ah, entendi, tipo: dicionário de polissílabos!

__Tipo: se livrar dos desejos e necessidades do corpo.
__ Tipo: o psicopata está fora então?

__ É. O psicopata deve ter uma paixão o movendo, então, acho que ele fica excluído dessa.

__ É interessante observar as fronteiras absurdas. Tipo o psicopata ser vizinho do Sidarta. Aliás, sobre o absurdo do mundo, você poderia ler mais Camus.

__ ‘Ler mais’... Ou não seria pelo menos “ler um pouco”? Uma vez que não li nada.

__ Eu acho que no fundo todos o lemos, principalmente quem estranha só um pouquinho qualquer coisa que acontece hoje em dia.

__ A gente inconscientemente compartilhar idéias não significar ler! Ler é bastante literal.

__ Aqui sim caberia um literalmente.

__ Sim. Ler é bastante literal. Literalmente.

__ Muito bom poder voltar a conversar com você, mas tenho que ir.

__ Que pena. Estou com saudades.

__ Acho que isso vai me desenferrujar a escrita, ela está emperrada que dói.

__ Ah, não está não, você sempre se confunde com a minha. A sua vai bem, obrigada.

__ No fundo, você é meu oleozinho singer.

__ Você é tão romântico! Vá lá. Eu vou ficar lendo Camus.

__ Literariamente.