Pai

Lembro de um dia, tinha 4 anos, estava sentado no quintal de terra, havia muitas plantas, várias árvores frutíferas, muitas flores, ali era o meu lugar preferido da casa, gostava também da varanda com seu chão liso e gelado e da cozinha por causa dos azulejos, alguns colocados errados, passava muito tempo tentando achar uma ligação entre os azulejos diferentes.

Gostava de brincar no quintal, era muito ativo, mas me lembro que também passava muito tempo sentado, num pneu que ficava no meio do quintal, simplesmente olhando o que estava acontecendo ao meu redor, no mundo dos pequeninos.

O quintal era uma festa, havia formigas, borboletas, lagartas, lagartixas, louva-deus, calangos, grilos, cigarras, sapos, mosquitos, abelhas, passarinhos, beija-flor, besouros, os cachorros, minhocas, marimbondos e, minhas prediletas, joaninhas.

Às vezes, entrava escondido no quarto dos meus pais, pegava no criado mudo uma lupa e voltava vitorioso para observar melhor. Tinha hora que focava em um bichinho só e acompanhava o que estava fazendo passo a passo.

Gostava de passar a mão nas flores, picotar as folhas de várias formas e de quebrar os gravetos em mil pedaços. Adorava desenhar no chão decorar com folhas e flores. Quando vinha chuva observa a água mudar a paisagem, ficava olhando os animais se abrigarem, os caminhos de água se formando, corria para fazer barquinhos de papel e colocar essas fragatas nos rios do meu quintal, torcia por cada uma até saírem por debaixo do portão rua a fora.

Um dia apareceu um bicho novo, menor do que um marimbondo, corpo vermelho sangue e de asas brancas e longas, voa insistentemente na minha frente, era lindo. Resolvi matar, ergui o pé e fui empurrando ele para baixo – pensando nisso agora não sei como foi possível. Eu sentia as asas batendo embaixo do meu pé, devagar fui abaixando até pisar no pobrezinho.

Ele me deu uma ferroada terrível logo abaixo do dedão, foi a pior dor que já tinha sentido, chorei desesperadamente, minha mãe veio correndo, me pegou no colo e perguntou o que tinha acontecido, não conseguia responder, eu chorava muito mesmo. Mostrei o pé. E quando ela virou já estava muito inchado e vermelho.

Essa é uma das minhas lembranças mais antigas. Fiquei com a imagem da sola do meu pé vermelha na cabeça até hoje, mas não lembro do que aconteceu depois.

Dá uma sensação estranha quando lembro de uns momentos da minha infância, me dá vontade de me colocar no colo, de cuidar de mim, de conversar e de brincar comigo.
Eu sou pai da minha infância.

3 comentários:

Lu Morena disse...

"...era lindo. Resolvi matar..."
óh doce lógica infantil!

Bonito isso tudo, tem gosto de nostalgia.

Lu Morena disse...

ei, menino, quer brincar comigo?

Bahiense disse...

...sua vocação profissional vem desde sua infancia ,está tudo explicado !! rss