Natureza Morta

Com o tempo, após ver tantas paisagens, pensei que fosse enjoar da estrada, parar na próxima cidade, construir um chalé com janelas voltadas pro mar e esperar até você me encontrar.

Mas você nunca veio, não moro no chalé, não conheci a próxima cidade e não caminho mais pela estrada,

mas ainda busco uma nova paisagem.

Agora já estou velho, fico feliz simplesmente porque sigo sem carregar raivas e rancores, por não sentir desesperanças e não ser descrente.

Ainda torço por todo mistério, pela mágica e bato palmas bem alto e forte para salvar as fadinhas, que vivem me amando com doces e cantigas.

Carrego apenas aquela satisfação desconhecida e uma única certeza: a morte. Sei o dia em que vou morrer.

E esse dia é hoje.

A morte sempre me deu vastos motivos para sonhar, em quê gostaria de me eternizar?

Na letra ferida, na memória da cidade, num óleo sobre tela, na tela do cinema, no seu olhar, na voz da soprano, nas memórias de caixa de sapato, na pele tatuada... Onde gostaria de me eternizar?

Hoje, isso não me interessa mais, que me esqueçam!

Acabo de lembrar-me de que não acredito na morte (não era isso que eu dizia quando julgava estar longe dela?). Não fiz nada para ser eterno, e não é hoje que farei. Fiz coisas feitas de sonhos, para divertir o tempo, matar saudades, fiz amor desmedido, tudo que é efêmero e belo.

Nada me resta, somente preparar a alma que está prestes a nascer no lado eterno da vida.

Mesmo aqui, no fim, tenho vontade de confessar que penso em você o tempo todo. Sempre pensei. Sinto sua falta como se tivéssemos passado a vida inteira juntos e eu acabasse de voltar do seu enterro para dormir na nossa cama, pela primeira vez, sozinho.

Exalamos flores, temperos, frutas, terra molhada, madeiras, lençóis amarrotados, suor e sabonete; será que no fim das contas seremos apenas o cheiro do pó e de tristes flores secas no cemitério?

A bem da verdade, é exatamente isso que me aconteceu, por mais que role, bata na cama e grite o horror, não consigo me livrar da sensação de que todos os dias dormirei com esse gostinho de morte.

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